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Entrevista | Atuação integrada das forças de segurança é o único modelo eficaz de combate à corrupção, diz Comin

Por: Marcos Schettini
06/02/2020 10:11 - Atualizado em 06/02/2020 10:19

Desde abril de 2019 no comando do Ministério Público de Santa Catarina, o procurador-geral de Justiça Fernando da Silva Comin tem impresso um novo ritmo de trabalho nas promotorias catarinenses. Embora tenha um perfil de diálogo, possui posições firmes em combate ao crime organizado e em defesa de mudanças legislativas para evitar morosidade do Estado, sendo um expoente na alteração da Constituição para garantir a prisão após a segunda instância.

Em entrevista exclusiva ao jornalista Marcos Schettini, o PGJ falou sobre importantes temas debatidos na sociedade, como a questão do estatuto do desarmamento, indulto, lembrou da eficácia do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado e afirmou que “não se combate crime organizado com Estado desorganizado”. Confira:


Marcos Schettini: Quais são os desafios do MPSC contra o crime organizado?

Fernando Comin: O Ministério Público catarinense, a exemplo do brasileiro, tem dado grandes passos na direção desse enfrentamento, trabalhando dois pilares essenciais: tecnologia aplicada à investigação e integração das forças de repressão. Mas ainda há muito a evoluir, principalmente no aspecto legislativo. Se por um lado, nos últimos anos, alguns avanços foram feitos com a elaboração de normas que criaram importantes instrumentos de desarticulação dessas organizações, como a colaboração premiada, recentes alterações legislativas, algumas delas, inclusive, que passaram a integrar o “pacote anticrime”, foram em sua contramão. Sem o fortalecimento da legislação como, por exemplo, a garantia da prisão após a segunda instância, qualquer esforço das instituições será em vão.

Schettini: Como o senhor vê a ideia de armar o cidadão?

Comin: O cidadão brasileiro sempre teve o direito de proteger a si e a sua família assegurado, mesmo com o advento do estatuto do desarmamento. O que a legislação preconizava era a necessidade de maior controle de armas, para que essas servissem, apenas, para a proteção do cidadão de bem, evitando seu descontrole e o acesso aos criminosos. A discussão, porém, desses limites, de quais requisitos devem ser cumpridos para o acesso a armas, é algo que a sociedade brasileira deve fazer por meio de seus representantes legitimados.

Schettini: A corrupção é um cenário silencioso. Como ela deve ser combatida?

Comin: A corrupção é, ao lado da sonegação fiscal, a maior chaga do Brasil. Existe uma relação direta entre a percepção da corrupção pelo cidadão e a forma de seu relacionamento com o Estado com o índice de desenvolvimento dos países. A transparência internacional, por exemplo, divulga anualmente o índice de percepção da corrupção, e basta uma análise entre os países que figuram como primeiros colocados para verificar seu desenvolvimento econômico e social. O mesmo se dá entre os últimos, como o Brasil, por exemplo. Enquanto o Brasil, como Estado – em todas as suas esferas-, for leniente com corruptos e corruptores, não mudaremos o atual estado de coisas. Esse cenário só irá mudar com a participação de todos. Fortalecimento das instituições de controle, órgãos de investigação, legislação eficaz e, acima de tudo, a mudança na cultura da impunidade.

Schettini: O processo político de outubro começa a ganhar força. O MP Eleitoral joga em qual direção contra crimes políticos?

Comin: O MP eleitoral é um dos braços do MP brasileiro. Dentro do MPSC, cada zona eleitoral conta com a efetiva participação de um promotor de Justiça em todo o processo eleitoral, desde o registro de candidaturas e de partidos políticos até a homologação de resultado das eleições e posse. E, em muitos casos, na análise e proposição de processos de cassação, se presentes elementos indicativos de abuso ou fraude. Nesse ano, porém, de eleições municipais, estamos fortalecendo nossa estrutura para garantir aos promotores de Justiça um maior apoio nessa fiscalização, e em breve teremos, um núcleo específico de suporte. A direção é uma só: atuar firmemente para que a vontade popular, em sua representação maior, que é o sufrágio, prevaleça, e seja protegida de indevidas influências externas, sejam elas políticas ou econômicas.

Fernando da Silva Comin assuniu o cargo de procurador-geral de Justiça em abril de 2019 (Foto: Bruno Collaço/Agência AL)

Schettini: O Gaeco é uma ferramenta de investigação que impõe respeito e medo. O que isso diz para as novas gerações políticas?

Comin: O Gaeco representa a consolidação do único modelo eficaz de combate às organizações criminosas existente, especialmente daquelas ligadas à corrupção, que é o modelo de atuação integrada. Não se combate crime organizado com Estado desorganizado. Nesse aspecto, no modelo presente em Santa Catarina, a presença do Ministério Público, da Polícia Civil, da Polícia Militar, do Instituto Geral de Perícias, da Secretaria de Estado da Fazenda e de outros parceiros, como a Polícia Rodoviária Federal, garante o intercâmbio de um conhecimento multidisciplinar capaz de atuar de frente contra diversas espécies de crimes complexos. Se o Gaeco impõe medo, posso assegurar que não é esse seu objetivo. Respeito, sim, é importante, porque decorre de um trabalho responsável, de mais de duas décadas de bons resultados entregues a sociedade catarinense. Mas, acima de tudo, o que se espera é que ele possa consolidar um recado: de que em Santa Catarina os órgãos de repressão trabalham articulados, integrados e com um foco comum, e que não se intimidam com o poderio econômico ou político, sem qualquer discriminação ou coloração partidária.

Schettini: O que o senhor pensa do indulto?

Comin: O indulto é um instituto constitucionalmente estabelecido, que deveria ser utilizado de maneira excepcional, como ocorre em boa parte das democracias mundo afora. No Brasil, porém, com o passar dos anos, foi banalizado, voltado a esvaziar presídios, ou pior ainda, a deslegitimar decisões judiciais que ousaram combater certos tipos de crimes, como a corrupção, em total desrespeito às vítimas e ao cidadão que cumpre com sua obrigação de respeito às leis.

Schettini: Não seria interessante o tema corrupção entrar na grade escolar?

Comin: Seria importantíssimo. O MPSC, por exemplo, há anos realiza projetos educativos, com a presença de membros, promotores e procuradores de Justiça, no ambiente escolar, visando conscientizar as novas gerações. Atualmente, tanto a campanha “o que você tem a ver com a corrupção” como o programa “cultivando atitudes” cumprem esse papel. Sobre o Cultivando Atitudes, que é a iniciativa mais recente da instituição, desde sua criação em outubro de 2017 já atingiu mais de 18.000 crianças e adolescentes da rede de educação em Santa Catarina. É essa discussão, desde cedo, que permitirá a formação de uma geração mais crítica, capaz de fiscalizar e reprimir socialmente a prática de atos de corrupção.

Schettini: É correto afirmar que o Poder se corrompe?

Comin: Não acredito nisso. O Poder, assim como o Estado, é um elemento essencialmente abstrato. Quem se corrompe é o indivíduo. Se o Estado for forte, a democracia consolidada, e a sociedade for intolerante com a corrupção, a má influência desse indivíduo é reprimida e o Poder permanece legítimo. Mas se a sociedade se torna tolerante, e a corrupção se espraia nas esferas de poder, há a deslegitimação do Poder e do próprio Estado. Cabe a cada um de nós, a cada cidadão, seja ele servidor público ou não, garantir que isso não aconteça. Não há corrupto sem corruptor, e todos nós precisamos fazer a nossa parte.

Schettini: Qual a marca da sua gestão?

Comin: Quando viajei pelo Estado para apresentar minhas propostas aos membros do MPSC, destaquei que elas eram focadas em quatro eixos: inovação, humanização, participação e resolutividade. Pode parecer abstrato, mas na prática isso nos orienta em cada ação da instituição. Tivemos, esse ano, por exemplo, a discussão de nosso planejamento estratégico para o biênio 2020-2021. Inovamos esse ano ao ouvir a sociedade civil, o Parlamento, e o Executivo. Ouvimos cada promotor de Justiça, permitindo uma maior participação de todos esses agentes. Estivemos ao lado do cidadão, porque de nada adianta buscar resultados que não sejam úteis ou desejados pela sociedade. Assim é que cada iniciativa do MPSC é planejada e executada. Se tivermos que definir uma marca, ela é simples: queremos ser uma instituição que faça sentido na vida das pessoas.

Schettini: O governador Carlos Moisés reivindica o retorno da sobra dos repasses constitucionais. É uma atitude correta?

Comin: O governador é o chefe do Poder Executivo, e é natural o desejo de mais recursos em prol de obras e serviços ao cidadão catarinense. Mas o Poder Executivo não tem o monopólio dessa prestação de serviços, os demais Poderes e órgãos também tem suas obrigações a cumprir e serviços a prestar para o cidadão. Temos que desmistificar, inicialmente, essa ideia de retorno de valores, porque os recursos não são do Executivo. Quem é o titular dos recursos é o Estado, e esse, mediante um sistema constitucional válido e por meio de leis legitimamente elaboradas, reparte seu recurso para cada Poder e órgão. Portanto, quando o Ministério Público entrega valores ao Executivo, não lhe devolve recursos, e sim voluntariamente remete parcela de seu orçamento. Sempre digo que Santa Catarina tem o melhor modelo de divisão do bolo orçamentário, que é a divisão em percentual fixo da receita disponível, porque quando a economia vai bem, todos os Poderes e órgãos tem condições de melhorar sua prestação de serviços e, por outro lado, se o Estado sofre uma crise, a responsabilidade pela gestão prudente, por economizar e fazer cortes, também é de todos. Além disso, o Executivo precisa compreender que, normalmente, não existem sobras, o que existe, muitas vezes, é a economia de recursos, pela impossibilidade de executar projetos em um ano, para o ano seguinte. Nesses casos, o diálogo sincero, frente a frente, é o caminho que leva as melhores soluções, até porque permite a explanação desses projetos e os resultados que serão obtidos, demonstrando a importância da preservação dos recursos no Ministério Público ou, também, a compreensão do problema do Executivo e a entrega de valores, como ocorreu no último ano. Muitas das vezes, porém, investimentos são adiados para que projetos venham a ser executados adiante, questões importantes para a sociedade catarinense, como o fortalecimento de ferramentas de investigação criminal, por exemplo. Nesse contexto, não parece justo cobrar a entrega de recursos.


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